O Ministério da Saúde publicou, no dia 2 de março, Portaria que substitui o agravo “Acidente de trabalho: grave, fatal e em crianças e adolescentes” por “Acidente de Trabalho” na Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde públicos e privados.
Notificação compulsória é a comunicação obrigatória às autoridades de saúde sobre a ocorrência de suspeita ou confirmação dos casos listados, em estabelecimentos da área, públicos ou privados, por meio do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). A lista de doenças, agravos e eventos de saúde pública que devem ser comunicados também descreve para qual autoridade sanitária a informação deve ser encaminhada e o prazo limite, podendo ser:
- Imediata: realizada em até 24h após o atendimento, à Secretaria de Saúde do Município (SMS), à Secretaria Estadual de Saúde (SES) ou ao Ministério da Saúde (MS);
- Semanal: realizada em até 7 dias, a partir do conhecimento da ocorrência de doença ou agravo, à Secretaria de Saúde do Município do local de atendimento do paciente.
A médica doutora em Saúde Pública e pesquisadora da Fundacentro, Maria Maeno, explica como essa mudança impacta a área de SST na rede de saúde:
PROTEÇÃO+ – O que muda, na prática, com a substituição de “Acidente de trabalho: grave, fatal e em crianças e adolescentes” por “Acidente de Trabalho” na Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos em saúde pública?
MARIA MAENO – Sempre que se definem quais eventos de saúde devem ser notificados compulsoriamente é preciso se pensar na finalidade dessa notificação. Com essa nova determinação do Ministério da Saúde, o Sinan incluiria todos os acidentes de trabalho, independentemente de sua gravidade e de necessidade de afastamento, ocorridos com pessoas durante o trabalho, independente da existência de vínculo empregatício. Ou seja, qualquer pessoa que estiver trabalhando e sofrer um acidente durante o exercício do trabalho ou no trajeto deverá ter o registro. Seriam informações preciosas para orientar a vigilância em locais, ambientes e processos de trabalho, até porque, muitas vezes, acidentes leves denunciam a possibilidade da ocorrência de acidentes graves. Ademais, os acidentes graves, fatais e ocorridos com crianças e adolescentes, estão contidos no universo a ser registrado.
No entanto, além da ampliação da definição do “caso a ser registrado”, é preciso trabalhar nas raízes da subnotificação, para que a nova orientação não vire letra morta. Assim, em primeiro lugar toda a rede de saúde, pública e privada, deve ser motivada e capacitada a notificar, assim como o cumprimento dessa determinação deve ser monitorado e cobrado. Em segundo lugar, a instalação do sistema informatizado deve ser facilitada em todos os serviços de saúde públicos e privados. E em terceiro é fundamental que seja traçada uma estratégia para que haja um aumento da capacidade diagnóstica de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho em toda a rede de saúde, pública e privada, que infelizmente é pequena. Essas três questões devem mobilizar toda a rede de saúde, assim como o conceito de que o trabalho é o determinante central da área deve ser disseminado e aprofundado nos cursos de formação de todas as pessoas, em especial, dos profissionais de saúde e daqueles que vão planejar e definir a forma como os processos de trabalho se organizam.
PROTEÇÃO+ – Esta nova orientação pode ser considerada positiva para a área de SST? Por quê?
MARIA MAENO – Tem potencial para ser positiva se houver a superação das causas da subnotificação, algumas das quais mencionei, e se houver uma melhoria da capacidade de analisar esses dados, planejar e intervir nas condições determinantes dos acidentes. Assim, é preciso que haja um grande esforço para que os dados sejam coletados com qualidade e forneçam informação para ações de mudança.
PROTEÇÃO+ – Quais profissionais precisam fazer essa notificação pelo Sinan?
MARIA MAENO – Quaisquer profissionais de saúde, os responsáveis por estabelecimentos públicos ou privados educacionais, de cuidado coletivo, além de serviços de hemoterapia, unidades laboratoriais e instituições de pesquisa devem participar dessa rede de notificação. O que nem todos sabem é que as normas legais preveem a notificação compulsória à autoridade de saúde por parte de qualquer cidadão. Assim, os acidentes de trabalho podem ser notificados à autoridade sanitária por qualquer pessoa que tome conhecimento de sua ocorrência. Mas, mais uma vez, para que isso não continue a ser letra morta, é preciso que haja canais em que cidadãos possam notificar os agravos de notificação compulsória, entre eles, os acidentes de trabalho.
PROTEÇÃO+ – Por que é importante que o Ministério da Saúde tenha controle sobre esses dados e o que é feito a partir dessas informações?
MARIA MAENO – O Ministério da Saúde é o gestor federal do Sistema Único de Saúde, mas o funcionamento do sistema de notificação e o desencadeamento de ações de intervenção dependem de todo o SUS, nas esferas municipais, estaduais e federal. Não será o Ministério da Saúde a executar atividades de intervenção nos ambientes, locais e processos de trabalho e sim, os municípios, sem prejuízo de ações articuladas em regiões, estados e em todo o país. As prioridades devem ser definidas tanto nacionalmente, como devem ser acrescidas nos estados e municípios. Também é importante que pensemos em diferentes espécies de atuação. Os dados dos sistemas de informação, após consolidados e analisados, orientam ações de intervenção, mas, ao mesmo tempo, não se deve deixar os eventos que exigem ações imediatas, independentemente das análises. Por exemplo: uma morte relacionada ao trabalho exige a imediata ação do poder público, incluindo o SUS. Mas esse dado de morte no trabalho, registrado, se soma a muitos outros que devem subsidiar ações articuladas cotidianas em regiões, estados e no país, sempre com a finalidade de se evitar novas ocorrências.
Fonte: Revista Proteção/Sarah Hoffmeister
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